Nos últimos tempos, tive de, por doença de familiares, contactar com alguns médicos, de várias especialidades. Hospitais aqui e ali, clínicas e centros de saúde.
Como seria inevitável, a comparação entre estes profissionais salta para a primeira página das conversas ao jantar.
Quando alguém está doente e decide ir ao médico, para além de procurar a ajuda de um profissional, que se crê competente, procura também um lado humano de quem o observa do outro lado da cadeira, ou em cima da marquesa. Sim, todos procuramos o amparo de quem nos diz: " Não se sente bem , mas vamos já tratar disso! Vai ver que vai ficar bom." Ponto final. Parágrafo. A dor, o desconforto, vai passar, e, com ela, o nosso maior receio: a morte.
Se, a título privado, esperamos um tratamento que justifique o valor que nos pedem por aquele serviço que estamos a requisitar enquanto clientes, no serviço público, passamos para a categoria de utentes. Esta categoria é assim uma espécie de " aguenta-te com o que te calhar... e não bufes". Mas um utente é aquele que usa e tem esse direito.
Mas um mero paciente, doente, utente ou cliente está perante alguém que, à partida terá conhecimentos muito para além da sabedoria da dor nas cruzes, ou dos bicos de papagaio, que não sabe distinguir a dor crónica da aguda.
E isso dá azo, por via do cansaço (assim quero crer), àquele ar condescendente de quem sabe que sabe mais do que nós e tenta perceber o que se quer dizer com dor intensa, enjoo ou uma vontade imensa de amarguçar a cabeça entre os braços.
Mais ou menos didáticos, acredito que, por força da experiência de anos, seja prudente para eles, não sorrir demasiado, não ser muito condescendente ou compreensivo perante as queixas do interlocutor. Haja eficiência no tratamento para que consigamos perdoar esta indiferença de quem nos atende.
Agora, quando do pouco didático se passa ao enfado e ao abanar de cabeça... Aí, salta-me a tampa. "Utente, minha senhora, é aquele que usa e tem esse direito. E o direito a um atendimento digno, sem sermões empertigados sobre a natureza do motivo para pedir a consulta. Com profissionais de saúde que criem relação com os seus doentes, sem os repelirem, para não mais quererem voltar."
A figura de um médico de família pressupõe um relacionamento próximo (eu sei, com a devida distância e respeito pelos conhecimentos inacessíveis a nós, comuns mortais), uma história de doenças familiares que se conhece (mesmo que tenha de se espreitar no computador para avivar a memória), um querer cuidar que vem, ou deve vir, da gênese desta profissão e do juramento de Hipócrates.
Resultado de toda esta experiência: um pedido na calha para mudança de médico de família e mais um ponto no descrédito do nosso sistema de saúde. Haverá exemplos do contrário? Claro que sim, mas não foi este o caso... Felizes daqueles que podem escolher como querem ser tratados quando ficam doentes!
Sem comentários:
Enviar um comentário