Porque há vida para além da paisagem... para além da rotina diária, do mundo das notícias e do ecrã. Reflexões daqui, dali de acolá ... e de cá de dentro, que é onde a nossa paisagem se molda e gera paz.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Pára tudo: hoje é dia de Feira de Pernes

 

Pára tudo, que vou escrever outra vez sobre a Feira de Pernes.

 



Este ano, a Feira voltou ao Largo do Rossio.

Uffff…. (este é um suspiro de alívio!)  

E aqui entra também o brilho nos olhos de muitos com quem me cruzei hoje, na minha visita obrigatória, religiosa, àquele dia, esperado por tantos como um dia especial nesta vila.

Há também um brilho de saudade por aqueles que já cá não estão, novos e velhos, mas que deixam memórias boas: a primeira ginja do dia, a febra cortada e assada a preceito.

Fiz o meu percurso, curiosa, pelas ruas improvisadas de uma Feira de mistura de sons, materiais, alimentos., artesanato.

E pessoas.

Cruzei-me com amigos de agora e de sempre. Pelo meio, ouvi histórias…

… de uma samarra comprada pelo pai há 45 anos neste dia,

…relembrei o Rapa, Tira, Deixa, Põe,

…vi amigos emigrados que regressaram hoje à sua terra com coisas maravilhosas de carinho

Enfim, vim alimentada de, sobretudo, carinho.

Soube-me pela vida.

O caminho faz-se caminhando. Foi um bom pontapé de saída para recuperarmos a nossa Feira.

domingo, 7 de maio de 2023

Mãe

 



Não é o rasgar do corpo

Num momento de tão intenso

que nos marca a vida.

É um rasgar de ternura que

atravessa o coração 

Daí em diante 

E para todo o sempre

É um colo e um aconchego 

Eternos e omnipresentes

É uma entrega

De uma alma a outra

De um sopro a outro 

De uma batida do coração 

a outra, fora de nós 

Mas que sempre

Sempre nos pertencerá.

Somos de quem nos fez

Mas muito mais do que fazemos

Em milagre, e que trazemos

para fora do nosso corpo.

E que assim perpetuará

O Amor

A Gratidão 


domingo, 16 de abril de 2023

Pai



Por esta altura, aquilo que parecia adormecido, recalcado no peito, levanta a tampa pesada, de chumbo do baú e começa a manifestar-se. Começa com um pequeno incómodo, uma sensação de inquietude, ligeira, moinha que se torna constante e cada vez mais exponenciada. E chega aquele instante em que tomo consciência do que é.

É tão só e apenas a consciência de que faz mais um ano… (e já são três, como é possível??) do dia mais difícil da minha vida. Chavões : parece que foi ontem, a vida muda num instante. Tudo verdade. Mas esta verdade que trago no meu peito, nunca ninguém a entenderá. Só porque é a minha, relativamente ao dia em que partiste. Este peso imenso de vazio no peito, que só aqueles que ficam sós de pais neste mundo entendem, nunca mais me abandonará.

Estive estes três anos a resenhar constantemente na minha cabeça estas palavras. Amachuquei mil rascunhos imaginários, que me doeram, que não eram o tempo certo, que não gostei…

Relembro-te todos os dias, claro. Numa expressão, num pombo que aparece em cima de um fio de eletricidade que passo a caminho. Num barulho estranho, num esquilo que teima em aparecer sempre em dias especiais, ou dias em que algo está prestes a acontecer. Repito muitas frases que dizias a miude, como quem declarava verdades universais. Eram as tuas, e ai de quem delas duvidasse.

Zango-me muitas vezes contigo ainda. Pergunto-te porque não fizeste diferente. Repito discussões que tivemos e nas quais gostaria que tivesses entendido o que te procurava dizer. Porque em todas elas, eu era apenas uma menina, a tua menina a procurar a tua aprovação. Foram anos, toda a minha vida até que te foste embora, de dedicação, de tentativa e esforço de te chegar aos calcanhares, de veneração cega, até determinada altura. E depois mais consciente, embora nunca tendo conseguido cortar aquele cordão que me amarrou a ti e à tua visão do mundo, até bem tarde. Desses tempos, muitos deles bem difíceis, guardo ainda, como traço de personalidade a constante procura da perfeição, do ser boa o suficiente, de fazer bem, de procurar sempre… mas sempre, ser melhor.

Desse esforço hercúleo e desgastante, muitas vezes, aprendi também a perdoar as minhas imperfeições, a deixar-me ser eu, e apenas eu. A ter tempo para mim, para a minha família, sem cobranças. A deixá-los ser, sem julgamentos ou expectativas.

Às vezes, peço-te ajuda, outras vezes tento nem sequer falar contigo, para que, do alto onde estás, não interfiras no que vamos querendo fazer e com o qual muito provavelmente não estarias de acordo.

Como vês, temos cuidado do que nos deixaste e do que conseguimos que ficasse connosco. Honramos-te em cada malva, em cada pé de alecrim que transplantaste para este pequeno paraíso, onde deixaste o teu traço, a tua pincelada. Esta história, aqui contada em cada passada destes caminhos que desbravaste, será sempre ligada a ti, será sempre a tua história. E recebo muito carinho de todos os que te conheciam e que têm a candura de mo transmitir. Deixaste um grande legado, eras o homem do leme.

Na minha rebeldia, vou alterando algumas coisas. Vou construindo outras histórias, as que são agora as nossas, sem ti tão perto. Vou tomando as rédeas.

Quereria ter sempre a tua aprovação, já sabes. Sei que andarás por aí, consigo sentir a tua presença. Quero apenas construir um caminho de paz interior, onde lidarei com este vazio violento, e aprenderei a dar-lhe maciez e doçura. Tentarei sempre tornar-me numa mulher do leme… onde a vida não seja sempre a perder.

Será, peço-te que assim o entendas, a maior honra que te farei.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Minha querida filha... fly away

 



Minha querida filha,

Hoje foi um dia feliz… mas nada fácil. Quanto te escrevi estas palavras em 2015, falava de momentos como este, em que te deixamos para a tua nova aventura como estudante universitária.

O orgulho imenso, a certeza de que contribuímos para a tua caminhada deixa-nos preenchidos. A mulher em que te tornas dá-nos tranquilidade de que fizemos algo certo, ainda que, como pais, tenhamos, com toda a certeza, errado muito também.

Mas o teu voo está aí… esta é a hora. O meu coração, o nosso coração enche-se com o sentimento imensurável, indizível de amor por ti, minha filha. A certeza de que este caminho é irreversível mas tão desejado conforta-nos da mesma forma que nos deixa inquietos.

Um casaquinho, uma garrafa de água, uma bolachinha… Tantos cuidados e agora, longe, fica um vazio difícil de gerir. Tantas brigas e abraços com o mano. Tantas conversas que quis ter contigo antes de ires e que não tivemos… Nos últimos tempos de cafuné mais intenso, antevendo a distância, ainda tivemos algumas. Outras eu sei que as tivemos no silêncio do colo uma da outra.

Seremos sempre esta família, mas em moldes diferentes. Fly away, my little bug… Que a procura da felicidade seja sempre mais forte que os medos que te atormentam…

E que o senhor Zuckerberg não deite abaixo as redes, para que te possamos sentir mais próxima, em mensagens, videochamadas e todas as ferramentas que atenuarão a nossa saudade e o desejo de te ter aqui, debaixo da nossa asa. 

Fly away, my little bug… 

Fly away.

sábado, 19 de dezembro de 2020

A História do Leite-creme do Natal

Esta é a história do leite-creme do Natal. Do meu Natal. E bem vistas as coisas, do Natal de algumas outras pessoas e famílias também. É isto:

Em tempos recuados (sim, já tenho uns anos valentes para poder usar esta expressão, que adoro!) da minha infância, o Natal fazia-se num espaço chamado lareira, com uma grande lareira (imagine-se!) alentejana, ou seja toda aberta e, uns anos mais tarde, uma já fechada, mas igualmente grande. Na casa dos meus pais, claro.

Como em todos os lares, havia iguarias, doces e salgadas, que não podiam faltar. Uma delas era o leite-creme. Caseirinho, caseirinho. A minha mãe, na véspera da véspera, para que pudesse ter tempo e paciência, munia-se dum tacho, largo e começava a fazer o doce, passando as gemas de ovos por um passador, que juntava ao leite e açúcar ao lume. O processo era lento. Para mim, criança, era uma eternidade. Mexe e mexe e mexe… muuuuuuuuiitoooooo lentamente. Nada de maizenas para engrossar… Tudo muito devagarinho e lume muito baixinho.

Na verdade, a receita foi transmitida de uma senhora amiga da família, a D. Floripes, que o fazia num fogareiro com brasas de forno. Horas a mexer. Para depois fazer chegar às casas de quem tinha pedido este mimo. Passinho a passinho, numa taça, a tentar não verter pelo caminho.

Então, findo o processo de cozedura, aguardava-se que o meu pai, com uma pá de ferro, que colocava a aquecer nas brasas da lareira, queimasse o leite-creme, com açúcar amarelo, que deitava generosamente por cima do preparado. O cheirinho a açúcar queimado… estão a sentir?!...

Os anos passaram e o Natal, o meu Natal passou a ser na minha casa e fui eu que comecei a fazer esta iguaria-memória-de-natal-doce- inesquecível- cheio-de-calorias-mas-que-sabe-pelas-horas-e-que-faço-uma-vez-por-ano.

Do fogareiro com brasas, passando pelo lume a gás, estou agora com o tacho em cima duma placa vitrocerâmica, a tentar não talhar os ovos, no lento processo de engrossar a dita mistela. Nem vos conto as vezes que foi tudo por água abaixo, literalmente, por lume demasiado quente, ou por um minutinho em que desviei o olhar…

O meu pai, quando chegava à hora da ceia de Natal, tinha a mesma tarefa de queimar o açúcar, mas agora com um ferro eléctrico. No ano passado, por causa do muito fumo que deita, decidimos fazê-lo na rua, ao pé da janela da cozinha. Sem querer, acabámos por queimar a madeira da janela (imagem da foto)… mas, pronto, ossos do ofício de quem cria memórias de Natal, pensei eu…Nunca imaginei que tanta importância teria...

Pois bem, este Natal voltarei a fazer o leite-creme. Mais paciência a mexer o tacho, talvez. Mas, infelizmente, sem o meu pai para o queimar… Já pedi ao meu mais novo para começar a nova tradição, de ser ele a pegar no açúcar e no ferro, para, com todos os cuidados, honrarmos a sua presença nas nossas vidas, com este gesto simples mas que sempre nos fará recordá-lo. Todos os anos, ele avaliava:” Oh Ana, está quase… “, ou “ Está um bocadinho líquido…” e a mais recente, a notícia de que o meu irmão estava a conseguir fazer a receita na Bymby… “Blasfémia!” – pensei. Mano, vai uma aposta que o meu é melhor que o teu?? Ou serão as nossas primogénitas a seguir com novas tradições??

E a receita, afinal, qual é? Claro que não vos vou dar as quantidades certas – porque o segredo é a alma das memórias. Neste caso, de Natal. Do meu Natal.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O Clube dos Pais Mortos


 


Episódio 3.458.323 de Anatomia de Grey... ou talvez não tantos, porque o George ainda estava vivo...


O pai de George morre e, ao contrário do que se poderia esperar, é a fria Cristina Yang que se aproxima dele para o confortar. E diz:

"-Há um Clube dos Pais Mortos. Ninguém nos convida, mas entramos para ele sem querermos. É devastador, e só quem a ele pertence, percebe o que significa."

"-Não sei viver num mundo em que o meu pai não exista." - responde o George.

Yang remata:

" -Sinto muito que pertenças agora a este clube."

...

É isto. 

Vezes dois.





sexta-feira, 26 de junho de 2020

Os Verdadeiros Super Heróis deste Ano lectivo




Hoje termina o Ano lectivo 2019/2020...
Bem... quase, visto que há ainda alguns 'atletas a correr para a meta' dos exames.
Com um filho a terminar o 3º ano e outra a terminar o 11º, estou a passar por estas duas experiências.

Com a autonomia e dedicação da mais velha, com uma pauta de notas irrepreensível, a minha maior preocupação foi, neste tempo de #EnsinoÀDistância, o mais pequeno. 
A sua ainda falta de autonomia revelou a dependência da presença constante desta professora-improvisada-em-tempo-de-pandemia em que muitos pais se tornaram neste tempo amaldiçoado. Pude acompanhá-lo, ainda que sempre com falhas, mas, neste momento, faço a minha vénia a todos os pais trabalhadores, que depois do dia de trabalho...

... enfrentaram quimeras diários de manuais de Estudo do Meio, Matemática e Português (e outras disciplinas em anos lectivos diferentes), 
e mais os livros de fichas 
e mais as aulas na Escola Virtual 
e mais as ferramentas da Leya 
e mais o Padlet 
e mais o Scratch 
e mais o MicrosoftTeams 
e mais os Zoom 
e mais os trabalhos manuais e os projectos sobre o relevo e as experiências com ímanes.... 

E mais as birras do não-quero-fazer-porque-não-estou-na-escola e quero-ir-jogar-fortnite-porque-senão-o-mundo-acaba

E aos pais que o tiveram de o fazer em tele-trabalho, enquanto falavam com clientes ao telefone e se ouvia um tenho-uma-dúvida-pai lá atrás. 
E aos pais, que não conseguiram, pelos mais diversos motivos, acompanhar os seus filhos mas que tentaram por outros meios que eles não ficassem para trás.

Mas também faço a minha vénia aos alunos que, com a capacidade vertiginosa de adaptação que os caracteriza, entraram, de uma forma ou outra, neste ritmo completamente impensável há uns meses e responderam ao desafio desta 'nova normalidade', como agora se diz.

Mas a vénia não fica completa sem o devido reconhecimento aos professores (a cara mais próxima da organização de tantos agrupamentos) e, que mandaram uns poucos, outros  muitos trabalhos, que nos entraram pelos ecrãs de nossa casa, que nos deram cabo da cabeça com toda a orgânica escolar que tivemos, nós pais, de também dominar rapidamente e que agarraram os seus alunos da melhor forma que conseguiram. 
Se para nós foi extenuante, para eles acredito que também tenha sido um teste extraordinário (a palavra parece-me corriqueira para a dimensão do desafio que enfrentaram). Dentro do desnorte em que todos ficámos, foram eles a vela do barco para nos levar por estas águas desconhecidas.

Por tudo isto, hoje agradeço a todos estes super heróis:

Alunos
Pais
Professores

Obrigada. Podia ser melhor? Podia. Mas teria sido muito pior não fosse este esforço conjunto de famílias e comunidade educativa para nos manter minimamente à tona de água.

Sobreviveremos? Certamente. Contaremos a história deste conto do fantástico, em quadrados de banda desenhada, como a grande lição de toda a nossa vida. 

Mas em que TODOS fomos Super Heróis desta história.

Vemo-nos em Setembro, para mais aventuras.