Porque há vida para além da paisagem....
Quem vive na província, como eu, não pode deixar de ter este sentimento de quando em vez. Basta haver um dilúvio na capital, basta haver uma reportagem daquelas especiais, em que o interior é tratado como leão na jaula. Passo a explicar:
Mais jovem, sentia e pensava que Portugal era grande. O.k., será na sua essência e no patriotismo que (ainda) nos enche o coração. Mas quero dizer grande de espaçoso, volumoso, a tilintar de pipocas por essas paisagens fora. Devido sobretudo à minha experiência profissional, fui-me apercebendo que somos poucos, muito poucos. Que toda a gente se conhece mesmo a km de distância. No entanto, quando assistimos a um jornal, vemos o sentimento que perpassa pelas reportagens: Lisboa é Lisboa, o resto é paisagem. Não quero com isto dizer que a área metropolitana de Lisboa se exclua deste clã. Mas tirando aquela mancha junto ao Tejo, parece que o que existe é um deserto distante, com aliens confusos dispersos e que não se entendem muito bem (tanto sotaque a perceber, meu Deus!). Basta haver uma tempestade mais intensa, que tudo inunda. Eu sei que inunda, mas o resto do país, da paisagem também inunda... Não é só aí, no berço da civilização, que as ruas inundam. Atrás do sol posto também, e, às vezes, com maior intensidade do que na capital. Pronto, há um problema maior de esgotos... shame on you, solve it and give it a rest. Enough all ready! Pronto, também sei que é mais fácil pegar no carro de exteriores e ir até à baixa do que ir atrás do sol posto. Economia em tempo de crise.
Mas quando o carro vai até lá atrás, depois da paisagem ( o que pode ser apenas a uma... meia hora de Lisboa) lá vem o paternalismo. Como se fossemos bichos, pessoas que não evoluíram no tempo só porque não passam o tempo todo a verificar novas actualizações no facebook e restantes redes sociais. Como se, pelo facto de vivermos sem sinais de trânsito, vivêssemos iletrados. Como se as notícias dos Prémios Nobel ou das exposições da Joana Vasconcelos não nos fizessem sorrir como só a arte consegue.
Por causa da minha experiência, sempre fiz, desde miúda, viagens até à capital. Que suplício, fazer o caminho por estradas nacionais, curvas e contra curvas até chegarmos à A1 no Carregado. E depois chegar a Lisboa já noite e passar as luzes do túnel na Avenida da República: magia, para uma criança com cerca de 5 anos. Estudei em Lisboa, senti na pele a discriminação em relação à província, esse estigma que fazia de nós pura e simplesmente atrasados.
Orgulho-me do conhecimento que viver na província me trouxe. Sei os cheiros que tem, bons e maus e como os maus também são necessários, o frio e o calor que tem, as dificuldades que tem e conheço o outro lado, o da cidade. Gosto de ir à civilização, gosto de trazer um pouco dela para casa e para a minha vida. E quando lá vou, olho para os da cidade, sabendo que a mãe ou a avó eram de Trás-os-Montes ou Alentejo, mas que isso ficou esquecido na passadeira do ginásio ou na centésima viagem de metro entre a cidade universitária e o Cais do Sodré. Sei que os meus filhos sabem que as galinhas têm penas e não borbulhas na pele.
Sei que há um país que trabalha para abastecer a cidade, as luzes da cidade, a vida frenética da cidade e as inundações da cidade.
E que somos poucos, tão poucos nestas paisagens e nessa capital... que somos capazes de ser todos iguais.... Digo eu...