Tenho na minha que artista que é artista tem uma pancada a
menos… ou a mais, conforme queiramos avaliar. Há que dar asas à imaginação, à
criatividade, à forma diferente de ver o mundo e de comunicar com ele. E, nesse
sentido, perdoam-se certas excentricidades. (Não que eles se importem com o
nosso perdão, de simples mortais. Na verdade, estão-se marimbando para isso.)
Falo disto por várias razões. Tenho assistido a alguns
concertos sobre os quais fiz algumas comparações. Não foram grandes concertos,
de festivais ou grandes salas da capital. Foram concertos de província, de
salas de teatro adaptadas e de feiras ou festas de cidade (pequena, de… para
além da paisagem)
O primeiro de que vos quero falar foi o de Pedro Abrunhosa.
E o primeiro que vi dele foi há mais de vinte anos, por altura do grande êxito
do Não posso Mais e quando a nação se ofendia com a irreverência do Talvez F….
Detestei. Foi um concerto de vedeta armado em bom, como se já tivesse provado a
sua competência artística e toda a gente lhe devesse vassalagem. A arrogância
de se achar grande demais para actuar em palcos tão pequenos como um campo de
futebol de um clube distrital. Durante muitos anos, foi esta a opinião que tive
dele. E não lhe achava grandes dotes musicais, como continuo a não achar, já
que as músicas eram/são basicamente murmuradas e sempre do mesmo estilo.
Porém, no ano passado, e levando a mais pequena a ouvi-lo, mesmo
com as reticências que expus acima, assistimos a um concerto dele e da banda
Comité Caviar no Teatro Virgínia em Torres Novas. E tudo mudou… Levava também
comigo a consciência do percurso profissional do Pedro, da sua faceta
intervencionista, da sua cultura democrática. O que assisti foi um abraço ao
público, foi sentir um respeito enorme de quem estava em cima do palco por
todas as pessoas que estavam à sua frente. Mesmo quando, cantando, nos deu um
raspanete (não fosse ele professor de música!) por cantarmos tão mal. Fiquei
espantada com a evolução vocal dele, com a qualidade da banda que o acompanhou,
com a proximidade com que nos brindou e que teve o seu momento mais especial
numa subida ao palco para quem se aventurar-se (estivemos lá: eu e a garota!) e
depois nos bastidores, onde lhe pedi para continuar a ser a nossa voz! Fez
solos naquele piano Roland… Meu Deus! E até ao piano ele agradeceu. Muito bom!
Mais recentemente, vi outros três concertos de que vos falo
brevemente. Primeiro The Gift, na Feira da Agricultura de Santarém. Para além
do timbre vocal diferente da Sónia, pouco mais a acrescentar. Compreendo que
existam artistas que não se queiram comprometer em palco quanto aos que são os
seus princípios musicais ou menos trendy, menos main stream. Mas há que chegar
às pessoas. Também é esse o vosso objectivo. Achei tudo sem sal.
Depois vi Os Azeitonas, também na Feira da Agricultura. Não
por ser um desígnio maior, mas porque calhou. E não é que fiquei surpreendida!!
Com as músicas que afinal conhecia, com o estilo vintage que envergavam sem pudor, com a irreverência de artistas
aliada a um profundo conhecimento musical e qualidade que todos os membros
tinham.
Nos últimos dias, fomos brindados com um espectáculo do
Carlão, em Torres Novas. Bem, o que dizer? Conheço-lhe algumas crónicas, do
Correio da Manhã, onde ainda se chamava Pac Man. Acredito que queira ser mais
do que um rapper. Quer ser um rapper de esquerda, como ele próprio assumiu ser
em palco, que manda bocas sobre o estado da nação, com referências ao banco
privado, bpn e bes, esperando uma reacção emotiva, reacionária do público. Diz
umas asneiras pelo meio, compreende-se que queira comemorar os seus 40 anos
(junta-te ao grupo, meu!) mas tirando a música que passa 5 vezes por hora na
rádio, e que pode agradecer à sua filha a inspiração (ai há bébé)… zero. Muito
fraquinho. Mais um que diz que tem se se assumir como é. Até a voz que o
acompanha é melhor. Depois desta moda, será que sobrevive na selva? Faz lembrar
Anselmo Ralph... um hit e o resto
enche a hora e meia à rasquinha.
Por fim, falo-vos do mestre. Do verdadeiro artista. Aquele
que soube, com a sua inteligência, regressar às origens em momentos de crise e
de cansaço comediacal – sim, inventei agora esta palavra… ( fruto da muita
concorrência, especialmente dos Gato Fedorento, que lhe beberam a sabedoria e
adaptaram ao mundo mais recente, e às fracas audiências que os seus programas
começavam a ter na RTP). Falo de Herman José, claro. Que com um espectáculo de
homem único, consegue chegar a todos, fazer rir, cantar com qualidade. Pronto,
diz umas asneiras a mais. Mas a artista que é artista, que sabe reconhecer o
seu público e, mesmo por isso, não deixar de o parodiar, desculpa-se alguns
impropérios. O mestre Herman regressou à TV num registo mais soft mas onde sabe
que o seu público das festas e romarias desse país profundo o vão reconhecer.
Onde dispara a sua imensa cultura geral e musical, sem chegar ao mais simples
provinciano e o valorizar, porque ele vai ver os seus espectáculos, em cima de
um palco improvisado no reboque de um tractor. Viva o Herman!
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